sábado, 21 de julho de 2012

Brinquedo para Todos - Parque infantil inclusivo - Acessibilidade - Desenho Universal

 Diversidade e Diversão



Brinquedos para crianças com deficiências físicas, mesmo aquelas com deficiências neuromotoras graves, para crianças com deficiências iintelectuais, sensoriais, etc.
Para adolescentes, para adultos. Para Todos.
Todos os brinquedos podem ser utilizados de forma diversificada.

http://www.expansao.com/

expansao@expansao.com

Dilma e a luta pela criação de um centro de pesquisa sobre autismo

A mãe inconformada e a presidente


CRISTIANE SEGATTO
CRISTIANE SEGATTO  Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 15 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo. Para falar com ela, o e-mail de contato é cristianes@edglobo. (Foto: ÉPOCA)


Raimunda Gonçalves Melo, a Ray, é mineira de Luisburgo, florista, casada com um subtenente do Exército e mora na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro. Nada a caracteriza e a ocupa mais do que ser mãe de Filipe, um rapaz autista de 28 anos.
Filipe nasceu e se desenvolveu normalmente até um ano e meio de idade. Falava muitas palavras e até cantarolava “Boi da Cara Preta”. Nos meses seguintes começou a ficar quieto. Não respondia aos estímulos de palavras e brincadeiras. Não interagia.
Hoje Filipe balbucia poucas palavras, mas se expressa de várias formas. Faz pinturas abstratas em telas de até três metros. Olha o Segundo Caderno, do jornal O Globo, diariamente. Seleciona os filmes que pretende assistir, busca os trailers na internet e decide o programa da família nas noites de terça – o dia em que o ingresso do cinema é mais barato.
Desde que Ray o ensinou a usar o Google, um mundo se abriu. Quando ouve uma música em inglês ou alguém falando a língua estrangeira na TV, Filipe arrisca escrevê-la num papel. E insiste para a mãe ajudá-lo a conferir a grafia na internet. Para espanto de Ray, que não sabe inglês, o garoto quase sempre acerta.
As associações que o cérebro dele é capaz de fazer escapam da compreensão da família. Dia desses, quando viu a vinheta da novela Avenida Brasil, Filipe puxou um papel e escreveu “Avenida Copacabana”.
Os avanços que Filipe conquistou se devem ao acompanhamento que sempre recebeu no Hospital do Exército e ao compromisso de Ray. Foi ela quem buscou as aulas de pintura, quem o matriculou na escola, quem fez tudo o que pôde para ensinar o que sabia e aproximá-lo da sociedade – em vez de excluí-lo por excesso de zelo, vergonha ou desesperança.
Ray é inconformada. Felizmente não é a única. A vida a aproximou de outro inconformado, o biólogo paulista Alysson Muotri, um rapaz que está construindo uma carreira brilhante e hoje é professor na Universidade da Califórnia, em San Diego.
Raimunda ao lado de seu filho Filipe, um rapaz autista de 28 anos (Foto: Arquivo pessoal)
No final de 2010, a equipe de Alysson chamou a atenção da comunidade científica internacional ao conquistar três feitos inéditos:
- o grupo criou neurônios autistas em laboratório
- demonstrou que eles são diferentes dos neurônios normais desde o início do desenvolvimento
- conseguiu tratar os neurônios autistas e fazer com que eles se comportassem como neurônios normais
A matéria-prima que permitiu esse avanço foram células da pele de pacientes autistas. Em laboratório, Alysson fez com que elas regredissem ao estágio de células-tronco embrionárias (aquelas que são capazes de originar qualquer tipo de tecido). Em seguida, as transformou em neurônios idênticos aos dos pacientes.
As drogas que Alysson usou para curar os neurônios autistas são tóxicas para uso humano. Ainda não representam a cura. Nos últimos anos, a pesquisa avançou. Ele tem viajado o mundo para apresentar os resultados do laboratório a empresas interessadas em testar nas células drogas novas ou antigas que, potencialmente, poderiam curar o autismo. 

O autismo afeta cerca de 1% das crianças norte-americanas. O custo para o governo durante a vida de um único indivíduo autista beira os US$ 3,2 milhões (quase R$ 6,5 milhões). Isso representa um custo anual de US$ 35 bilhões (quase R$ 71 bilhões) para a sociedade americana. Números semelhantes se aplicam à esquizofrenia. Quase o triplo é gasto com o mal de Alzheimer.
Alysson e as empresas acreditam naquilo que tem sido chamado de “reposicionamento de drogas”. A ideia é pegar uma droga que falhou em estágios clínicos para uma doença “x” e testá-la contra uma doença “y”. Remédios que já foram testados em humanos e não serviram para o Alzheimer podem ser úteis para o autismo, por exemplo.
Como toda a etapa de estudos necessários para comprovar que a droga é segura para uso em humanos já foi feita, a realocação de medicamentos permite encurtar em pelo menos dois anos o tempo de chegada de um remédio ao mercado.
Neurônios humanos são complexos. “Por isso aposto em novos modelos produzidos a partir da reprogramação celular, gerando redes neurais derivadas de pacientes em quantidades suficientes para testes em laboratório”, diz Alysson.
Uma das obras feitas por Filipe (Foto: Arquivo pessoal)
“Mesmo com as limitações da reprogramação genética – afinal, não deixa de ser um modelo humano in vitro –, acredito que seja o que mais se aproxima do sistema nervoso do paciente. O sucesso dessa nova forma de encarar a busca por fármacos vai depender de centros criados a partir de consórcios colaborativos e multidisciplinares entre cientistas e a comunidade clínica – acelerando os testes em humanos”, escreveu Alysson recentemente no blog Espiral.
Foi nesse ponto que a história dele e a de Ray se encontraram. Juntos, pretendem convencer o governo federal e as agências de fomento (como CNPq e Fapesp) a criar no Brasil o primeiro centro especializado em autismo. Ali seriam feitas as pesquisas, mas não só isso. Os pacientes e as famílias receberiam acompanhamento de diversos especialistas com o objetivo de desenvolver as capacidades das crianças e integrá-las à sociedade.
Alysson está escrevendo o projeto em conjunto com especialistas de outras áreas. A intenção é apresentá-lo em breve ao Ministério da Saúde e ao Ministério de Ciência e Tecnologia.
Obra feita por Filipe (Foto: Arquivo pessoal)
De sua parte, Ray não sossega. “O que faço é para meu filho e para o de todas”, diz. O pleito das mães dos autistas chegou à presidente Dilma numa cerimônia realizada no ano passado em Brasília. Ela disse ter interesse em ouvir a proposta e pediu que procurassem Bigode, apelido de Cândido Hilário, assessor da Secretaria de Assuntos Federativos da Presidência da República.
Nos últimos meses, Ray falou com ele várias vezes por telefone. Bigode prometeu visitá-la em breve na Ilha do Governador. Ray acreditou. Nele e na transformação social que um governo é capaz de produzir quando decide fazer isso.
Filipe anda produzindo como nunca. Ray sonha com o dia em que ele possa ver suas obras expostas fora das paredes de casa. Ela procura empresas que tenham interesse em estampá-las em embalagens de produtos ou em anúncios promocionais.
“Se o Filipe puder reconhecer uma obra numa embalagem, alguma coisa vai brotar na cabeça dele”, diz Ray. “O ser humano se torna presente na sociedade quando realiza algo. Cada trabalho realizado é um novo neurônio, uma nova esperança.”
Mãos à obra, Filipe, Ray, Alysson, Bigode, Dilma e quem mais quiser se juntar ao bando dos inconformados.
(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras)