Meus filhos com autismo, um contraponto
Ana Maria Elias Braga
Eles eram diferentes, mas eu
insistia na maldita inclusão. Por que não deixar o especial dizer se
ele quer isso? É fácil opinar dentro de consultórios
Parte 1: um pequeno prólogo
Em julho de 1994, fiz várias inscrições
para adotar uma criança. Em setembro, recebi um telefonema dizendo que
minha oportunidade de ser mãe havia chegado. Para a minha surpresa, em
dose dupla. Assim, adotei os gêmeos univitelinos Rafael e Renato, com 19
dias.
Felicidade? Emoção? É pouco para descrever. Minha vida se transformou em um caos -mas o melhor caos que alguém poderia desejar.
Meus filhos pareciam qualquer outra criança. Mas percebi lentidão no seu desenvolvimento.
Os médicos disseram que era a minha ansiedade, que gêmeos demoravam mesmo. Minha intuição maternal dizia que não era isso.
Quando estavam com quase dois anos,
levei os meninos ao neurologista. Com apenas alguns exames, o médico
disse que meus filhos não andariam, não falariam e que seriam dois
vegetais.
Fiquei zonza. Tive a nítida sensação de
que ia desmaiar. Chorei por dois dias. No terceiro, vi que isso não
resolveria o problema e busquei outros profissionais da área de saúde.
Resumo: meus filhos hoje estão com 17
anos, diagnosticados com autismo. Eles falam, andam, conversam, são
alfabetizados e músicos. O autismo não é contagioso, mas o sorriso deles
é. Minha vida se divide em antes e depois da chegada dos meus gêmeos.
Dificuldades? Temos várias. Não é fácil
saber que meus filhos não farão faculdade, provavelmente não casarão nem
me darão netos… Ainda me permito chorar às vezes, mas aprendi a sentir
orgulho de mim mesma e, principalmente, deles.
Parte 2: a vida escolar
Quando tinham três anos, matriculei meus
meninos em uma escola pequena e regular (particular). Enquanto tudo era
só brincar, estava tudo certo. Nenhum problema.
A partir do momento em que eles foram
crescendo fisicamente, tudo se complicou. Mentalmente comprometidos,
eles não evoluíam pedagogicamente. Precisavam, portanto, ficar em
classes com crianças pequenas. Eles eram sempre bem maiores que os
demais alunos.
Meus problemas começaram.
As mães se assustavam com o tamanho
deles. Sempre achavam que, no caso de uma agressão, seus filhos, tão
pequenos e indefesos, seriam massacrados, embora meus filhos nunca
tenham sido agressivos.
Nesse momento, a escola me chamou e
disse, educadamente, que uma escola com mais estrutura para recebê-los
seria melhor para eles.
Procurei o colégio onde estão até hoje,
uma escola regular, com classes especiais. Nessa época, eles estavam com
nove anos. Baseada e influenciada pelas ideias de psicólogos, insisti
que ficassem em uma classe regular.
Novamente, um martírio. Pedagogicamente,
a escola estava preparada, com um currículo feito especialmente para
eles. Mas, socialmente, o sofrimento começou.
Eles não eram chamados para festinhas de
aniversários, para grupos de trabalho, para os jogos de futebol. Nem a
tão natural paquerinha acontecia com eles.
Eram pessoas diferentes, mas com uma mãe e especialistas insistindo na maldita inclusão.
Até que, aos 14 anos, eles pediram para estudar na classe especial.
Disso, meu questionamento: alguém já se
perguntou onde a criança especial se sente melhor? Junto com a normal ou
outras especiais?
De segunda a sexta, as crianças
especiais podem até estar nas tais classes inclusivas. E no sábado e no
domingo, quando os amigos se encontram? Seu filho especial não é
convidado. Em uma classe especial, eles viajam juntos, vão a festas,
namoram entre si -são felizes, enfim. Além disso, o desempenho escolar
dos meus filhos nunca foi tão bom.
Por que só a visão dos especialistas é
ouvida? Por que nunca dão às mães ou ao próprio especial a oportunidade
de verbalizar o que eles acham melhor? É fácil escrever artigos sobre
inclusão dentro de consultórios e depois ir para casa.
Um dia talvez a sociedade mude, quando
as crianças especiais puderem fazer parte do círculo de amigos das
normais. Até lá, nossos filhos serão mais felizes tendo aulas em lugares
separados do que sendo rejeitados em classes normais.
ANA MARIA ELIAS BRAGA, 43, é esteticista
Fonte: Jornal A Folha de S. Paulo, de 19/04/2012, seção Opinião A3;