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A possibilidade de cura do
autismo sempre foi vista com ceticismo por cientistas e médicos. Mas um
amplo estudo publicado no periódico “Journal of Child Psychology and
Psychiatry” contesta esta afirmação e diz ser possível, sim, reverter
completamente os sintomas do transtorno neurológico que afeta a
comunicação, a sociabilidade e o comportamento. Ainda assim, os autores
advertem contra falsas esperanças, já que é um grupo restrito de doentes
que, por razões ainda não esclarecidas, consegue ter uma melhora do
quadro. E não há indicadores para mostrar quem estaria neste pequeno
grupo, que representa menos de 10% dos autistas.
Quadro foi totalmente revertido em autistas
A
equipe da Universidade de Connecticut recrutou 34 pessoas
diagnosticadas com autismo antes dos 5 anos e que, posteriormente,
reverteram os sintomas, que iam de moderados a graves. Durante a
pesquisa, eles tinham entre 8 e 21 anos e passaram por intensivos
testes, junto de outros 34 participantes sem autismo.
— Eles não
podiam mais ser enquadrados no diagnóstico — concluiu Deborah Fein,
autora do estudo, em entrevista ao “New York Times”. — Mas tenho que
salientar aos pais que é uma minoria de crianças que é capaz disto, e
ninguém deve pensar que perdeu a viagem se não conseguir este resultado.
Professor
de Medicina da Universidade da Califórnia, Alysson Renato Muotri não
apenas concorda que isto é realmente possível como desenvolve pesquisa
na área. Segundo Muotri, há mais de uma década se sabe que entre 1% e 5%
dos autistas conseguem reversão através de terapias intensas. Porém,
acreditava-se que isto poderia ser atribuído a um diagnóstico errado.
—
Mais e mais vemos trabalhos descrevendo que é um fenômeno real. Soma-se
a isso nossas pesquisas mostrando que neurônios autistas conseguem se
recuperar dos defeitos sinápticos se expostos ao ambiente certo (na
presença de drogas que alteram as sinapses, por exemplo), mostrando que
as alterações genéticas não são deterministas. Disso tudo tiramos uma
lição importante: o autismo pode ser reversível sim. Acho que o próximo
passo é entender porque alguns pacientes conseguem isso e outros, não —
defendeu Muotri.
A neuropediatra Carla Gikovate, especialista em autismo, também comemora o resultado.
—
De uns dois anos para cá estão surgindo estudos sérios apontando para
esta possibilidade. Antes, os especialistas eram descrentes sobres estes
resultados, mas isto está mudando — diz Carla. — Casos de reversão têm
sido possíveis por causa do diagnóstico cada vez mais precoce, inclusive
da formas mais leves da doença, assim como pelo tratamento intensivo,
principalmente com envolvimento de pais e escola.
A possibilidade,
entretanto, é vista com cautela pelo psiquiatra Caio Abujadi,
coordenador do ambulatório de autismo da USP e diretor clínico do
Instituto Priorit:
— Temos visto nas nossas pesquisa que há uma
gama de sintomas do autista que não está só no campo neurológico.
Envolve a alteração do sistema imunológico, metabólico etc. Há alergias,
dificuldades alimentares, sensibilidade, uma genética muito complexa
que envolve milhares de genes. Falar em cura de uma alteração como esta é
muito difícil.
Autora do livro “Meu filho ERA autista”, a
professora Anita Brito, moradora de Jandira (SP), orgulha-se do quadro
do filho, Nicolas, que completará 14 anos em fevereiro. Com sintomas
desde o nascimento, o jovem não falava, balançava-se e torcia os dedos,
chorava e ria sem motivo, mas hoje dá até palestras sobre a fase mais
intensa da doença.
— Nunca demos remédios ou fizemos dietas
específicas. Foi carinho, amor, estímulo constante que o fizeram
melhorar — diz Anita. — Hoje ele fala pelos cotovelos, diz que quer
namorar, é o melhor aluno de Ciências. Ainda continua torcendo os dedos e
precisa controlar a ansiedade, mas, olhando para ele, é um garoto
totalmente normal.
Já tem lei, mas ainda faltam pesquisas
O
governo federal promulgou a lei 12.764/12, que institui a política
nacional de proteção aos direitos do autista, garantindo a eles os
mesmos benefícios legais de outros portadores de deficiência. Mas isto
ainda é pouco, segundo grupos de pais de autistas, que reivindicam mais
apoio para pesquisa, com a criação de um Centro de Excelência de
Pesquisa do Autismo. “Meu filho tem 29 anos e experimentou vários
tratamentos que são só paliativos”, contou por email Ray Melo, que tem
cobrado, com o apoio do pesquisador Alysson Muotri, mais atenção ao tema
pelo Ministério da Saúde.
