Casos como o de um pai de uma família americana em Nova York, que
luta pra encontrar um caminho que possa atenuar os efeitos do espectro
autista em seu filho, são cada vez mais comuns. O filho, Lawrence, com
13 anos, foi diagnosticado com dois anos de idade e em pouco tempo já
não se entrosava socialmente, exibia um comportamento repetitivo. Com os
anos, sua personalidade foi ficando cada vez mais agressiva: batia a
própria cabeça na parede, mordia os colegas e demonstrava muita
ansiedade e agitação. Difícil pra família, pior para Lawrence.
O pai, Stewart, tentou diversos tratamentos. Começou buscando terapia
do comportamento, modificações na dieta, terapia musical e, por fim,
diversas combinações de medicamentos. Na maioria das vezes, a melhora
era temporária e o tratamento deixava de fazer efeito após um curto
período de tempo.
Como muitos pais, Stewart procurou por alternativas fora da medicina
convencional. No entanto, ao invés de seguir métodos sem uma base
racional, ele começou a pesquisar em sites como o PubMed por literatura
especializada, que traria informações e pesquisas cientificas sobre os
tipos de sintomas apresentados pelo seu filho.
Numa dessas buscas, deparou-se com o trabalho de um grupo de
pesquisadores que conseguiu tratar pacientes com a doença de Crohn,
usando vermes de porcos conhecidos como Trichuris suis. Como outras
doenças autoimunes, o sistema imunológico do próprio paciente ataca as
paredes intestinais, levando à formação de úlceras e a desconforto.
Nesse caso, os parasitas do porco estariam modulando a resposta
imunológica, diminuindo a inflamação (Summers e colegas, Gut, 2005).
Stewart também encontrou evidências de que alguns dos sintomas presentes
no autismo podem ser frutos de um ataque imunológico em células da glia
no cérebro (Vargas e colegas, Annal Neurol 2005).
Para ele não foi difícil juntar os pontos: os vermes do porco poderiam
também ajudar na modulação imunológica de seu filho. Sem medo do
ridículo, escreveu uma pequena revisão e apresentou suas ideias a um
grupo que pesquisava autismo no Albert Einstein College of Medicine. Os
pesquisadores acharam inusitado, mas concluíram que valia a pena testar a
hipótese. Através desse grupo, Stewart consegui comprar ovas de T. suis
para tratamento de uma empresa europeia chamada
OvaMed.
Stewart também conseguiu permissão do FDA americano para testar a droga
em seu filho, sob supervisão dos pesquisadores e médicos. Cada frasco
carrega 2.500 ovas e é, em geral, consumido a cada duas semanas, com um
custo de 600 euros por mês. Depois de ingeridas, as ovas tentam se
alocar no intestino humano. Encontrando um ambiente hostil, a maioria
morre. As ovas que sobrevivem dão origem a larvas que persistem no
intestino por alguns dias. É nesse estágio que acontece a modulação do
sistema imunológico.
Não se sabe ainda exatamente como isso acontece, as bases moleculares
do fenômeno estão sendo pesquisadas. As larvas sobreviventes morrem logo
em seguida e são dissolvidas no intestino – nada sai nas fezes.
Como o T. suis evoluiu para infectar porcos, a colonização no trato
intestinal humano é limitada. Os vermes não conseguem se reproduzir e
são eliminados com o tempo. Além disso, o ciclo de vida do verme requer
um estágio fora do hospedeiro, sendo incapaz de infectar outros membros
da família.
É um medicamento considerado seguro, sem nenhum efeito colateral. No
caso de Lawrence, a melhora no comportamento começou depois de 8 semanas
de tratamento. Depois da décima semana, os sintomas tinham desaparecido
por completo. A narrativa dessa história pelo próprio Stewart pode ser
encontrada
aqui.
Os resultados promissores foram apresentados em 2007 ao FDA e deram inicio a um ensaio clínico mais completo –
em andamento –
que servirá para mostrar se o tratamento é realmente efetivo ou se foi
apenas um caso de sorte, com alguma variável não controlada fazendo
efeito na criança.
A saga desse pai e o sucesso da história traz uma perspectiva
interessante para o entendimento do autismo, a “hipótese da higiene”.
Segundo essa ideia, a industrialização e a falta de contato com
elementos naturais acabam desestabilizando o sistema imunológico humano.
Evoluímos juntamente com nossos parasitas e assim que os eliminamos do
nosso ambiente, a homeostase do nosso corpo tenta se estabilizar
novamente. Durante a evolução, criamos diversas “armas imunológicas”
contra esses parasitas que não estariam mais sendo utilizados no
ambiente moderno.
A hipótese da coevolução é válida para a doença de Crohn, outras
síndromes autoimunes como esclerose múltipla e provavelmente para alguns
casos de autismo, como o de Lawrence. Ou seja, ao invés de existir
“algo” no ambiente urbano que contribua para a incidência de autismo,
seria mesmo a falta desse “algo”, no caso, nossos parasitas.
Acho que existe algo de muito importante nessa história. A
investigação cientifica cautelosa desse e de outros casos semelhantes
vai contribuir para entendermos melhor como o sistema imunológico
interage com o sistema nervoso no estado normal e no estado autista.
fonte: G1 – Espiral – Alysson Muotri