Discurso de psicóloga no "Domingão do Faustão" deixa mães de autistas e especialistas indignados
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psicóloga Elizabeth Monteiro comentou o caso de Adam Lanza, autor do
massacre na escola de Connecticut, no programa do último domingo (16)
O apresentador aproveitou a presença da psicóloga no programa para comentar o caso de Adam Lanza, de 20 anos, que matou a própria mãe, 20 crianças e outros seis adultos em uma escola em Connecticut, nos EUA. Logo depois de descrever características comuns a psicopatas, como a inteligência e a falta de empatia, a psicóloga disse que tinha lido que Adam Lanza era um Asperger. "O Asperger é um tipo de autismo. Não é aquele autismo tradicional, que a pessoa não faz contato e às vezes não consegue aprender. O Asperger faz contato e às vezes ele é considerado uma pessoa inteligente", declarou.
Ela foi interrompida por Faustão, que passou a questionar se esse tipo de crime não poderia ser prevenido se os pais fossem capazes de notar comportamentos estranhos nos filhos precocemente. "Tem mãe que é cega", respondeu a psicóloga, citando como exemplo o caso de Suzane von Richthofen, que matou os pais em 2002 e era filha de psiquiatra.
O psicólogo Alexandre Costa e Silva, presidente da Casa da Esperança (instituição especializada em pessoas com transtorno do espectro autista), em Fortaleza, não acredita que Elizabeth Monteiro seja tão desinformada a ponto de confundir autismo com psicopatia. "Mas o fato é que, do modo como foram feitas, em um programa de grande audiência, as afirmações dela têm potencial para causar bastante confusão", diz o especialista.
E de fato causaram. A própria Casa da Esperança recebeu dezenas de mensagens de famílias confusas e preocupadas com a repercussão do programa. Ele cita o exemplo de uma mãe que estava prestes a contar ao filho que ele tem a síndrome de Asperger, após orientações de especialistas, mas desistiu por causa da associação feita com o assassino de Connecticut.
A jornalista e publicitária Andrea Werner Bonoli, mãe de um garoto diagnosticado com autismo e autora do blog Lagarta Vira Pupa, recebeu centenas de mensagens de mães após o programa. Segundo os relatos, várias crianças que têm o transtorno ficaram com medo de ser confundidas com assassinas. Uma chegou a perguntar para a mãe, depois de ouvir a psicóloga: "Vou matar uma pessoa quando crescer?"
A autora do blog decidiu escrever uma carta de repúdio e a divulgou nas redes sociais, por não ter conseguido um canal de comunicação com o programa. A repercussão foi imensa e acabou gerando até comentários indelicados, a ponto de Andrea decidir bloqueá-los. "Dizem que é uma tempestade em copo d’água, mas a cada mensagem que eu recebo, vejo que não é."
Veja a resposta da Rede Globo sobre o ocorrido
"Como foi ressaltado pela psicóloga Elizabeth Monteiro em sua participação no programa Domingão do Faustão, suas declarações a respeito do caso de Connecticut foram genéricas. A partir das poucas e desencontradas informações que circulavam no domingo sobre o que aconteceu nos Estados Unidos, ela fez alguns comentários, pontuando que falava de forma resumida e a partir de suposições.Em nenhum momento, teve a intenção de fazer um diagnóstico. Tão pouco afirmou que o assassino fosse portador da Síndrome de Asperger, tendo citado a doença com base nas informações publicadas sobre o caso. Fora esta citação, a fala da psicóloga centrou-se genericamente nas características da psicopatia, indicando alguns sinais que pudessem servir de alerta aos pais, sempre com o intuito de prevenir e de estimular a busca do melhor diagnóstico. Aliás, a importância da consulta a profissionais de saúde é destacada sempre em nossas coberturas jornalísticas, assim como nas campanhas institucionais de entidades do segmento que a Rede Globo veicula gratuitamente com regularidade."
Retratação
Tanto Andrea quanto o psicólogo da Casa da Esperança acreditam que o mínimo que a TV Globo deveria fazer era trazer um especialista para fazer esclarecimentos. Até porque, além de toda confusão, a psicóloga passou uma informação errada: ela disse que algumas pessoas com Asperger são inteligentes, quando na verdade a inteligência acima da média é um dos critérios que definem a síndrome.
Procurada pelo UOL, a emissora afirmou que em nenhum momento a psicóloga teve a intenção de fazer um diagnóstico (veja texto ao lado). E não sinalizou a intenção de consertar o mal-entendido. Já a psicóloga divulgou uma carta de esclarecimento no Facebook (veja aqui).
Declarações equivocadas sobre o autismo e sua associação com o caso Adam Lanza também proliferaram em veículos de imprensa americanos. A CNN, por exemplo, convidou um psiquiatra para falar sobre o perfil do assassino, que apontou que autistas não têm capacidade de sentir empatia e "tem alguma coisa faltando no cérebro".
A Autistic Self Advocacy Network, entidade americana especializada no transtorno, enviou uma carta de esclarecimento aos meios de comunicação sobre o ocorrido, e muitos deles entrevistaram especialistas para esclarecer o equívoco.
A questão é que, em primeiro lugar, não existe a confirmação de que Adam Lanza tinha a síndrome de Asperger. Até agora, há apenas comentários de parentes, e uma declaração do irmão do jovem – ele disse que Adam era "meio autista".
"Enquanto não liberarem a ficha médica, não é possível dizer se ele realmente tinha a síndrome, ou se possuía algum transtorno associado, o que pode acontecer", afirma o psiquiatra Estevão Vadasz, coordenador do Programa de Transtornos do Espectro Autista do Instituo de Psiquiatria da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
É natural que as pessoas tentem atribuir algum problema mental a uma atitude abominável como matar crianças inocentes. Mas o médico é categórico: um Asperger (ou "Aspie", apelido carinhoso para quem tem a síndrome) jamais cometeria um ato como o de Connecticut. "Eles são ingênuos e têm uma fixação por seguir regras e leis", conta Vadasz. "Não existe, na literatura, nenhum relato associando a síndrome a crime", enfatiza o psiquiatra, que já atendeu mais de 3.000 autistas.
Alexandre Costa e Silva, que chegou a publicar um artigo bastante esclarecedor sobre a confusão feita no programa do Faustão, faz o mesmo tipo de ponderação. "Essas pessoas são ingênuas e incapazes de malícia, e frequentemente não conseguem mentir, nem fazer nada que considerem errado."
Estereótipos
Os equívocos em relação ao autismo não são recentes. Ambos os especialistas relatam que a confusão começou com a definição feita por Hans Asperger, médico alemão que deu nome à síndrome nos anos de 1940. Ele usou o termo "psicopatia autística", mas a primeira palavra, na época, queria dizer simplesmente que se tratava de uma doença mental.
- Pessoas com Asperger frequentemente se identificam com o personagem Sheldon Cooper,
do seriado "Big Bang Theory", que tem inteligência acima da média e vive cometendo gafes sociais
Segundo Vadasz, isso não quer dizer que eles sejam antissociais – eles inclusive sofrem, pois querem se relacionar. Também não procede a ideia de que autistas não têm sentimentos.Tanto que muitos deles se casam. "O que eles não conseguem é administrar os sentimentos", esclarece o psiquiatra.
A dificuldade de ler a mente dos outros e a incapacidade de mentir "por educação", como todos fazemos, inclusive leva autistas a cometerem uma série de gafes sociais. Não à toa, os pacientes costumam se identificar com personagens como Sheldon Cooper, de "Big Bang Theory", Data, de "Jornada nas Estrelas", e Sherlock Holmes, dos livros de Sir Arthur Conan Doyle.
Por fim, é preciso considerar que o autismo é um transtorno extremamente amplo, com diferentes evoluções. Inclui desde casos graves, em que o paciente não se comunica, a outros mais leves - nos quais se enquadra a síndrome de Asperger - em que o paciente pode ser um profissional de sucesso, que vive dando palestras. Tentar resumir o transtorno em poucos minutos para um público leigo invariavelmente pode levar a equívocos.
Em um artigo no Huffington Post que também esclarece as diferenças entre autismo e psicopatia, a colunista Emily Willingham, mãe de um garoto de 11 anos com Asperger, faz pensar sobre como é delicado fazer generalizações. Ela relata que o filho, ao saber da tragédia em Connecticut, derramou algumas lágrimas e imediatamente sugeriu que fossem buscar o irmão mais novo na escola. No caminho, ele ainda disse: "Não vamos contar a ele o que aconteceu. Não é algo que ele precisa saber. Isso só o deixaria ansioso e com medo".
Fonte:http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2012/12/20/programa-do-faustao-deixa-maes-de-autistas-e-especialistas-indignados.htm
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Renata e Alexandre