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segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Especialista esclarece dúvidas sobre autismo


Ima Samchés, La Vanguardia
David Amaral, 57 anos, é especialista em autismo. Licenciado em Neurociência, o estudo do cérebro. Diretor de pesquisa e professor de Psiquiatria e Ciências do Comportamento na UC Davis, Califórnia. Fundador do MIND, único centro no mundo dedicado à pesquisa do autismo. Confira a entrevista.

Nos Estados Unidos se fala em epidemia de autismo.
Sim, uma em cada 150 crianças nasce autista e a curva é ascendente.

É uma doença desconhecida?
Não é uma doença, mas sim várias delas (alguns autistas são epilépticos, outros sofrem microcefalia ou macrocefalia), e com múltiplas causas: genéticas, ambientais, ou combinações de ambas.

O que mudamos em nossa vida que facilita a multiplicação do autismo?
Nos últimos 30 anos, a mudança foi dramática. Hoje sabemos, por exemplo, que o Pitocin, uma fórmula artificial da oxitocina (hormônio da felicidade), que facilita o parto, pode provocar autismo.

Afeta diretamente o cérebro do feto?
Exato. Se a mãe usa esse remédio, o feto também o faz, em pleno desenvolvimento de seu cérebro. Também sabemos que as enfermidades como a asma e a artrose estão aumentando muito e que as mulheres que padecem delas criam anticorpos que, em 20% dos casos, atacam o cérebro do feto.

Os animais chamados irracionais também podem nascer autistas?
Podem apresentar estes sintomas. Por exemplo, deixam de ser sociais e efetuam movimentos repetitivos, como fazem as crianças com autismo.

Quais são os principais sintomas?

Transtorno de interação social, ou seja: dificuldade ou impossibilidade de se relacionar. Transtorno da comunicação (a maioria não fala ou tem um modo de se expressar muito limitado), e uma grande restrição de interesses.

Mas existem autistas muito inteligentes.
É um transtorno muito heterogêneo. No nível mais baixo, eles têm graves deficiências intelectuais; no mais alto, são gênios.

O que têm em comum?
Os com síndrome de Asperger, com sua sofisticada inteligência, não se livram dos problemas de comunicação. Esses autistas são catedráticos e até mesmo professores que transmitem conhecimento, mas não têm interesse em nenhuma relação interpessoal.

Eles não ligam nem um pouco para o outro?
Bem, digamos que não podem entender porque as pessoas querem se casar, ter filhos, ou até mesmo ter amigos.

E isso é um problema neurológico?
Sim, têm dificuldades para compreender os sentimentos alheios. Não podem ler suas emoções nem se colocar no lugar do outro.

E são felizes?
Os asperger dizem que sim. Por isso é tão importante distinguir a severidade da desordem, porque há um ponto em que a ciência e a filosofia se juntam.

Explique.
Os pais com quem fundei o instituto MIND têm filhos com problemas de autismo severos e querem uma cura. Mas entre os asperger estão cientistas e músicos importantíssimos, Einstein por exemplo.

Agora dá para entender porque ele tratou tão mal sua mulher e filhos.
Você tem razão. Mas, se fosse possível curar Einstein de seu autismo, ele teria criado a teoria da relatividade?

É uma doença estranha.
Estamos começando a estudá-la e há muito pouca literatura científica a respeito, mas sabemos que consiste em uma mudança na organização do cérebro que se desenvolve anormalmente e que certas partes amadurecem mais rápido do que deveriam.

Isso é ruim?

Para que as diferentes regiões do cérebro se conectem, precisam crescer em paralelo. Nossas pesquisas apontam nesse sentido, e buscamos as causas do autismo nas conexões cerebrais. Muitos dos atingidos pela doença, incluindo os asperger, sofrem de ansiedade severa e precisam que seu ambiente não mude ou sofra desordem.

Imagino que a busca de respostas envolva mais de uma disciplina.
É o que penso. No instituto MIND imunologistas, psiquiatras, psicólogos, neurologistas e geneticistas trabalham juntos, porque qualquer disciplina isolada terá dificuldade para resolver o problema.

Alguma idéia para prevenir o autismo?
Mais verbas de pesquisa, para começar, o que nos permitiria saber que anticorpos no corpo da mãe atacam o cérebro do filho, e impedi-lo.

Um bom começo não seria estudar a mistura de produtos químicos usados em lares e escritórios?
Concordo totalmente. Deveríamos realizar um grande estudo epidemiológico para determinar se as mães que têm filhos autistas estiveram expostas a ambientes com grande presença de produtos químicos.

Por exemplo?
As mulheres que, nos anos 50, usaram a Talidomida, um remédio contra os enjôos na gestação, deram a luz a alta porcentagem de bebês deformados e com extremidades atrofiadas, e grande porcentagem dessas crianças nasceram autistas. Teriam sido normais se as mães não tivessem usado o remédio. É disso que falo ao me referir a causas ambientais.

Fale mais sobre os perigos.
Estamos quase certos de que os exames de ultrassom usados para obter imagens dos fetos, muito comuns nos Estados Unidos, alteram o desenvolvimento cerebral destes. A idéia terminou proibida, mas havia planos de montar grandes cadeias de fotos instantâneas em ultrassom. Você se lembra das máquinas de raio-X usadas em lojas de sapatos para ver o pé dentro do sapato? Sabemos que causam câncer. Isso me faz pensar que, especialmente no que tange à gravidez, melhor ser o mais natural possível.