Autismo
O Brasil não tem política pública para a pessoa com autismo. E a responsabilidade de reverter essa situação está em minhas mãos
19.06.2012 | Texto por
Joana Resek
Imagine-se desembarcando na China
ou no Cazaquistão ou numa cidade inusitada, sem domínio de nenhuma
língua que possa te auxiliar, sem intimidade ou saber, mesmo que
superficial, da cultura.
Agora pense que você não consegue
produzir nenhum gesto ou expressão facial como apoio para comunicação.
Mas não estamos falando de uma tentativa de gesticulação sem sucesso
como a minha, por conta de uma paralisia física, já que a intenção do
movimento nunca me deixou. Estou falando da sensação de não encontrar no
próprio repertório essas ações. Complete isso com a impossibilidade de
compartilhar emoções e diferenciar pessoas. E, para aguçar mais ainda o
sentimento de exclusão do planeta, constate o não uso da imaginação e da
imitação.
Essa é uma descrição típica de
manifestações do universo de uma pessoa com autismo. Para você
contextualizar melhor o não simbolizar, a expressão “vai chover
canivetes”, por exemplo, já fez crianças autistas se esconderem embaixo
da mesa, assim como, em uma conversa informal, a jovem autista perguntou
a idade da professora, que respondeu: “Chuta”. A jovem, então, deu-lhe
um chute na canela. A pessoa com autismo não pensa de maneira abstrata,
só concreta.
Outra característica é a ecolalia,
que é a repetição de frases ouvidas recentemente ou há algum tempo.
Também podemos citar a obstinação por um determinado assunto, como um
rapaz que conheci certo dia na AMA (Associação de Amigos do Autista).
Depois de ter sido apresentada como deputada, ele se aproximou e disse:
“Sou obcecado por transporte, o que você vai fazer pra melhorar o
transporte?”. Ainda conheci um jovem que aprendeu inglês por causa de
sua fixação por mitologia grega. Levamos em consideração que todos esses
casos só podem ocorrer com os verbais, pois os não verbais nem adquirem
a fala, muitas vezes, por consequência do diagnóstico tardio.
InconformismoO
autismo é um distúrbio no desenvolvimento infantil com impacto
gigantesco na interação social, na comunicação, no aprendizado e na
capacidade de adaptação.
A síndrome de Asperger e o autismo
foram identificados na Áustria, em 1943-44. No entanto, apenas em 2009
novos estudos demonstraram que a cada 150 crianças nascidas uma tem
autismo (Fombonne).
Fui designada relatora de um
projeto de lei que institui uma política nacional para pessoas com
transtorno do espectro autista. Só há 18 anos o Brasil teve sua primeira
associação para o autismo, o que justifica o pouco conhecimento na
área, além das faces ocultas que podem ter por trás da beleza de uma
criança com autismo. Essa criança não é vista como uma pessoa com
deficiência intelectual, pois não há uma linearidade na sua aquisição
cognitiva. Isto é, uma estética toda harmoniosa não revela o padrão
irregular do desenvolvimento, que muitas vezes pode demonstrar altas
habilidades e grandes dificuldades.
Tenho recebido relatos e apelos de
familiares de pessoas com autismo de todo o Brasil. O desespero dos
pais é tal, que a única coisa que me pedem é celeridade na relatoria.
Não querem mexer no texto, pois qualquer alteração que eu faça implicará
nova tramitação. E para quem já esperou uma vida cheia de “nãos”,
somada à fama de descompromisso do Congresso Nacional, essa pressa é
justificável, assim como a indignação por não encontrarem um atendimento
de saúde com profissionais treinados e experientes.
Esses pais são inconformados por
se depararem com as portas da educação trancadas. Quando abertas, na
maioria das vezes, expõem uma didática inócua e ineficiente para um
autista. Pais tristes e frustrados por experimentarem a falta de
diagnóstico precoce, tratamento multidisciplinar e adequado, transporte,
trabalho, entretenimento, cultura, esporte... O Censo do IBGE nunca
perguntou se tem autista na residência. Muitos morreram sem saber o que
tinham e nunca foram considerados pessoas com deficiência.
Ou seja, definitivamente, o Brasil
não tem política pública para a pessoa com autismo. E, neste momento, a
responsabilidade de reverter essa situação está em minhas mãos.
Mara Gabrilli,
44 anos, é publicitária, psicóloga e deputada federal pelo PSDB. É
tetraplégica e fundou a ONG Projeto Próximo Passo (PPP). Seu e-mail: maragabrilli@maragabrilli.com.br
Revista TPM